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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009



Ricky

François Ozon adere ao realismo fantástico em historinha carola

04/11/2009Marcelo Hessel

Cineasta chegado num artifício, seja a quebra da narrativa em Amor em 5 Tempos ou a apropriação de gêneros em Angel, o francês François Ozon testa com Ricky uma ilusão diferente: o realismo fantástico.

Acompanhamos a história de Katie (Alexandra Lamie), uma operária francesa que começa o filme, bem ao gosto de Ozon, com uma charada: por que ela está diante de uma assistente social implorando, com a cara chupada de quem chora muito e dorme pouco, para que levem seu filho embora?

A trama volta alguns meses no tempo e agora, em tom de brincadeira, mostra Katie sendo acordada de manhã por sua filha, Lisa (Mélusine Mayance), como se a dona da casa fosse a menina. Desde esse começo percebe-se que há um núcleo familiar rachado ali: o pai de Lisa mora longe, Katie não parece muito a fim de assumir nada, e a filha vive com o peso da responsabilidade transferida.

Na fábrica, Katie então conhece Paco (Sergi Lopez), e logo engravida dele. Nasce Ricky, o bebê do título, que trará para o filme o elemento fantástico. Não convém aqui contar o que separa Ricky dos bebês normais, mas digamos que a sua presença "especial" age como efêmero catalisador de mudanças na casa.

A música de suspense, algumas situações de humor e muita maquiagem misturada com efeitos especiais garantem a atenção do espectador, enquanto Ozon transita, como sempre, no limite do que propõe (pintar as paredes do quarto da criança com nuvens é muito deboche...). No fim, porém, percebemos que Ricky poderia se chamar Lisa. A verdadeira protagonista da história é a irmã.

Não só porque há o ciúme natural de ser substituída por um novo filho, mas porque Lisa era quem mais sentia a quebra do núcleo familiar, e o tema que atravessa todo o filme é o da responsabilidade de gerir um núcleo desses. Ozon não só trabalha em cima desse ideal um tanto tradicional de família como se abre para interpretações religiosas - Katie é filmada sob a luz frenquentemente, e o bebê, sob essa leitura, seria uma manifestação divina. O clímax entre mãe e filho reforça essa impressão.

E não por acaso, quando Paco e Katie abraçam Lisa no final do filme, as mãos dos dois nas costas da menina formam o desenho de asas. Não só Ricky parece ser obra dos céus, Lisa também tem sua porção de querubim. Um tanto angelical, esse filme de Ozon.