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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Achei excelente alguns comentários abaixo, e segue também uma entrevista com Trier. Minha sincera opnião é a seguinte: Trier não é o maior diretor de todos os tempos, mas com certeza caminha de obra prima em obra prima, ousado, e desafiador de seus próprios limites, é inevitável que ele cause furor na mente dos quadrados críticos americados. Em termos de arte, o filme de Trier é uma obra prima visual, com cenas maravilhosas, meticulosamente trabalhadas, com uma direção fotográfica esplendorosa. Como filme de terror, O Anticristo é tão intenso e particular como O iluminado de Kubrick, ao qual seguia sua propria linha de intensidade. A mulher, soa uma pouco como o personagem de Jack Nicholson, e o medo se torna algo imprevisivel.

A depressão causada pela morte do único filho, faz com que a mulher tente apagar as marcas da dor com sexo e auto flagelo, oprimindo dessa maneira seu esposo, que tenta traze-la á realidade atravez de terapias não muito funcionais.

Um filme para ser assistido, muito analisado, pensado, e criticado com certeza. Pois por essa razão foi feito. Trier se tornou mestre em tratar sobre sentimentos fortes. E o mais interessante, não se importa com a opnião de ninguém !



'Anticristo', de Lars Von Trier, divide Cannes e diretor diz que é 'o melhor do mundo'

Na entrevista que concedeu após a sessão, Lars Von Trier disse que o filme o escolheu, e não o contrário. "Eu não tive escolha. É a mão de Deus, acredito. E eu sou o melhor diretor de cinema do mundo", disse, mandando às favas a modéstia.

Alguns espectadores de "Anticristo" podem discordar desta típica fanfarronice do cineasta dinarmarquês. O filme teve tanto aplausos como risos e vaias em sua primeira exibição em Cannes. Conta a história de um casal, interpretado por Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, que se refugia numa floresta isolada após a morte de seu filho. Lá fora, na vastidão da natureza, algo maligno - vegetal, animal e, mais do que tudo, humano - vai se apoderando de suas mentes. Parte da plateia se horrorizou com algumas sequências particularmente tensas, e outras de violência explícita quase insuportável, incluindo uma cena de mutilação genital.

"Eu não acho que tenha que justificar nada", disse o auto-intitulado "melhor diretor do mundo". Mas afirmou que fazer este filme foi uma maneira que encontrou para se recupertar de um período de severa depressão. "Eu trabalho para mim mesmo, não fiz este pequeno filme para você ou para o público, por isso não acho que deva explicar nada a ninguém", disse.

Von Trier, porém, reconheceu que "Anticristo" ainda é uma incógnita em termos de recepção. "Talvez venha a ser uma catástrofe", admitiu. "Já fui muito maltratado pela imprensa antes, mas até que gosto disso. É sempre um bom começo para uma discussão."

Em 2000, Von Trier venceu Cannes com o depressivo "Dançando no escuro". Apesar do que se vê na tela, o casal de protagonistas afirmou que participar de "Anticristo" foi surpreendentemente agradável - até mesmo a companhia de Von Trier, conhecido por não sere exatamente bonzinho com os atores de seu filme. "Foi muito intenso", resumiu Gainsbourg. "Adorei sua companhia e seu senso de humor", elogiou Dafoe.


... E o Terror de Filmar

O cineasta Lars von Trier enfrentou uma depressão enquanto rodava “Anticristo”. Ele diz que muito do que há no filme tem a ver com os fantasmas que o assombraram durante a doença

Por Thiago Stivaletti, de Cannes

O que faz um artista em depressão? Desiste de criar ou serve-se da crise para conceber não aquilo que previa, mas uma outra obra, que incorpore essa nova visão de mundo?

O dinamarquês Lars von Trier propôs no passado uma depuração do cinema com o Dogma 95 — uma série de "regras" para livrar o cinema dos rebuscamentos de linguagem. Seu novo filme, o terror Anticristo, que estreia neste mês no Brasil, teve o roteiro escrito no meio da crise de depressão que o cineasta sofreu há dois anos. Exímio roteirista, ele é o primeiro a admitir que, desta vez, não escreveu um bom roteiro. Em vez de conexões lógicas ou reflexão dramática, as cenas se juntavam sem razão, muitas vindas de sonhos que teve na infância ou durante a depressão.

No filme, um casal em luto pela perda do filho se retira para o "Éden", um chalé isolado na floresta, onde tenta curar suas feridas e reparar um casamento em dificuldade. Mas a natureza toma as rédeas, e as coisas só pioram. Anticristo está longe de ser um dos grandes filmes do diretor. As cenas vão do sublime (o prólogo em preto-e-branco) ao trash mais patético. Para o diretor, mais do que um filme, é uma vitória sobre sua própria crise.

Há dois anos, você passou por uma grave depressão. O que mudou em sua visão de mundo naquele período?

Fiquei extremamente autocentrado. Olhava de modo estranho para uma parede. Podia chorar durante uma hora. É como voltar a certo estado da infância.

E hoje você sabe o que o levou à depressão?

Sabe quando seu corpo enfrenta muita dor e acaba por desmaiar? O desmaio é como um tempo que o corpo pede para se recuperar. Acredito que a depressão seja o tempo que a sua psique pede para se recuperar e se reciclar, depois de um período de intensa ansiedade e estresse. E durante a depressão, quando você passa o dia todo deitado, parece que o cérebro libera algumas substâncias químicas que intensificam ainda mais esse estado, dificultando ainda mais a cura.

Em que momento da depressão você interrompeu a escritura do roteiro de Anticristo?

Quando meu estado ficou muito grave, eu tive que começar a fazer terapia. Nas sessões, eu começava a descrever o meu dia: "De manhã fiz isso, de tarde fiz aquilo...". Comecei a colocar as coisas em perspectiva, a fazer uma agenda mental de minhas ações, incluindo minhas horas de escrita e trabalho. Isso, de alguma forma, bloqueou minha criatividade. Lembro da fase de escalação de elenco para Anticristo: marquei encontro em Copenhague com Willem Dafoe e uma atriz inglesa que eu ainda não conhecia [Charlotte Gainsbourg] e não consegui dizer nada para eles. Minha mente era um branco total, eu só queria sair dali e ir chorar em outro lugar. Nesse momento, eu me perguntei: "Será que ainda sou capaz de fazer um filme?". Mas hoje esse filme existe. E não importa se ele funciona ou não, se ficou bom ou não. Tê-lo realizado já é uma vitória.

Então, a partir de agora, você acredita em terapia?

Não sei. A terapia que descrevo no filme é tratada de forma sarcástica [o marido interpretado por Willem Dafoe promove uma espécie de psicodrama com a própria esposa no meio da floresta, para ajudá-la a superar a dor da perda do filho, mas a mulher só piora]. Depois de ver o filme, meu psicólogo me mandou um pequeno bilhete em que dizia apenas: "Sim, sim...". [risos] Depois de Anticristo, vai ser difícil convencer as pessoas de que a terapia pode ajudar.

Ver o filme pronto foi como reviver a sua depressão e as limitações que você teve de encarar?

Não. Às vezes, eu me lembrava de alguns momentos de grande pressão que vivi no set. Mas, sobretudo, estou muito feliz de ter terminado Anticristo. Estar lá fisicamente foi o meu maior desafio, e eu o venci.

Ao lançar seu último filme, O Casamento de Rachel, o americano Jonathan Demme declarou-se um grande fã de seus filmes e do uso da câmera digital que você fez em Dançando no Escuro. Você teve alguma ideia particular sobre como filmar Anticristo?

Tive duas ideias distintas. A primeira era construir quadros monumentais, com muito trabalho de composição e detalhamento dentro de um mesmo plano. A segunda era filmar num estilo documentário, com câmera na mão. Mas logo encontrei problemas. Queria eu mesmo operar a câmera, mas minhas mãos começavam a tremer. É muito humilhante tentar fazer algo que você já fez antes e não conseguir. No fim, eu não tive muito controle sobre o lado técnico do filme. Por outro lado, me orgulho muito do trabalho que consegui fazer com os atores.

Por que, em Anticristo, você decidiu mostrar cenas de violência e mutilação genital, masculina e feminina?

Simplesmente achei que seria errado não mostrar. Sou um cineasta que acredita que devemos colocar na tela tudo o que pensamos. Sei que é doloroso ver, mas esse filme tem muito a ver com essas dores. Não dá para negar que existe algum componente de culpa no sexo. O mesmo vale para as mães: se observarmos ao redor, veremos muitas ações mesquinhas e malignas praticadas por elas com seus filhos. A maternidade não é unidimensional, não é só algo bom. Tem a ver com raiva e outros sentimentos menos nobres.

De onde vem esse estranho sentimento de culpa que você explora em todos os seus filmes?

Não sei muito bem de onde vem, não foi algo que assimilei dos meus pais... Não acho que eu sinta muita culpa na minha vida pessoal. Certamente não é uma culpa cristã, mas o fato de nascer em um país protestante já deve implicar certo número de culpas marcadas na minha identidade, mesmo que eu não seja um sujeito religioso.

Qual o sentido de Deus em seus filmes?

Nenhum. Deus não existe. Meus pais sempre foram ateus. Hoje, é como se eu pudesse devolver a Deus algumas coisas que aprendi sobre ele, e assim colocar minha vida em ordem.

Thiago Stivaletti é jornalista.


Crítica: Anticristo - a bruxa de Trier

28 de Agosto de 2009, às 12:56h

por Érico Borgo

antichrist_07.jpgO cineasta dinamarquês Lars von Trier chama Anticristo (Antichrist) de “o filme mais importante de toda a minha carreira”. Provavelmente é.

O primeiro terror da carreira do realizador de Dogville e Manderlay é uma espécie de exorcismo terapêutico de uma depressão na qual se encontrava há dois anos, um teste auto-infligido de sua capacidade de dirigir novamente. Mais do que isso, o filme examina ideias e pesadelos de décadas do diretor - que garante inclusive manter um exemplar de O Anticristo, manifesto anti-cristianismo de Friedrich Nietzsche em sua cabeceira desde os doze anos de idade.

A história é dividida em capítulos, outra marca do cineasta: “Luto”, “Dor (Caos Reina)”, “Desespero (Ginocídio)” e “Os Três Mendigos”, além de um prólogo e um epílogo. As cartelas dos episódio surgem sujas, pintadas sobre ilustrações abstratas em giz, contrastando com a absorvente beleza plástica do filme, fotografado por Antony Dod Mantle (Quem Quer Ser um Milionário). Desde a lindíssima abertura, toda em câmera lenta e preto e branco - retratando uma explícita cena de sexo e orgasmo - ao assombroso final, não há qualquer traço das restrições dogmáticas do passado de von Trier. Ele abraça aqui a necessidade do uso de todos os recursos cinematográficos para contar sua história - e chocar o público no processo.

“Chocar”, aliás, é uma palavra perfeita para determinar uma das intenções de von Trier com seu filme. Ele consegue realizar o que parecia irrealizável, um torture-porn psicológico de arte. Seria injusto extripar a produção de seus trunfos gore detalhando determinadas passagens aqui, mas fica o aviso que a violência física e psicológica e o sexo são explícitos e fundem-se sempre que podem. É como se O Albergue tivesse um filho com A Professora de Piano…

Chocantes também - ao menos para os padrões do cinema comercial - são as imagens que o filme apresenta (e como as apresenta). Em um determinado momento uma raposa eviscerada toma a tela para falar “caos reina”. A cena é risível, mas as risadas que se ouve no cinema são de puro desconforto. Como esse, há vários outros momentos que permanecem sangrados à faca na memória.

No palco estão Charlotte Gainsbourg (A Noiva Perfeita, 21 Gramas) e Willem Dafoe (Homem-Aranha 2, Manderlay), que vivem com entrega corajosa e tocante/revoltante um casal enlutado que se muda para uma cabana isolada depois da morte de seu filho. A pequena edificação, cravada na mata alta, se chama Eden - mas as forças em ação ali estão tão distantes do significado literal da palavra quanto aquele local da civilização.

Homem e mulher - ambos sem nome - mergulham em lamentação ali. Ele tenta salvá-la usando o que sabe, a psicologia. Ela se entrega à dor. As discussões são tão duras e verdadeiras que dá pra sentir-se um tanto sádico acompanhando-as. O sentimento de pesar e cinismo - uma constante na carreira de von Trier - aqui se faz presente como nunca. Segundo Anticristo, não há alento para a humanidade quando tudo o que acreditamos sobre nós mesmos é essencialmente errado.

Fonte: Omelete